segunda-feira, 24 de novembro de 2008

*** A JUSTIÇA ***



O desejável, é evidentemente que leis e justiça caminhem no mesmo sentido. Pesada responsabilidade, para o soberano e, em especial, em nossas democracias, para o poder legislativo! No entanto, não poderíamos descarregar em nossos parlamentares: todo poder deve ser tomado, ou defendido, e ninguém obedece inocentemente. Também seria um equívoco sonhar uma legislação absolutamente justa, que bastaria aplicar. Aristóteles já mostrara que a justiça não poderia estar toda contida nas disposições necessariamente gerais de uma legislação. É por isso que, em seu ápice, ela é eqüidade: porque a igualdade que ela visa ou instaura é uma igualdade de direito, apesar das desigualdades de fato e até, muitas vezes, apesar das que nasceriam de uma aplicação demasiado mecânica ou demasiado intransigente da lei. “O eqüitativo”, explica Aristóteles, “embora sendo justo, não é o justo de acordo com a lei, mas um corretivo da justiça legal”, o qual permite adaptar a generalidade da lei à complexidade cambiante das circunstâncias e à irredutível singularidade das situações concretas. Embora o homem eqüitativo seja justo, e até eminentemente justo, mas no sentido em que a justiça, muito mais do que simples conformidade a uma lei, é um valor e uma exigência. “O eqüitativo”, dizia também Aristóteles, “é o justo, tomado independentemente da lei escrita.” Ao homem eqüitativo, a legalidade importa menos que a igualdade, ou pelo menos ele sabe corrigir os rigores e as abstrações daquela mediante as exigências muito mais flexíveis e complexas (pois se trata, repitamos, da igualdade entre indivíduos que são, todos, diferentes) desta. Isso pode levá-lo muito longe, e até em detrimento de seus interesses: “Quem tende a escolher e realizar as ações eqüitativas e não se atém rigorosamente a seus direitos no sentido do pior, mas tende a tomar menos do que lhe é devido, embora tenha a lei a seu lado, é um homem eqüitativo, e essa disposição é a eqüidade, uma forma especial de justiça e não uma disposição inteiramente distinta.” Digamos que é justiça aplicada, justiça viva, justiça concreta – justiça verdadeira.

Ela não dispensa a misericórdia (“a eqüidade”, dizia Aristóteles, “é perdoar o gênero humano”), não no sentido de que se renuncie sempre a punir, mas de que, para ser eqüitativo, o juízo precisa ter superado o ódio e a cólera.

A eqüidade também não dispensa a inteligência, a prudência, a coragem, a fidelidade, a generosidade, a tolerância… É nisso que coincide com a justiça, não mais como virtude particular, tal como a consideramos aqui, mas como virtude geral e completa, aquela que contém ou supõe todas as outras, aquela de que Aristóteles dizia tão belamente que a consideramos “a mais perfeita das virtudes e (que) nem a estrela da noite, nem a estrela da manhã são tão admiráveis”.

O que é um justo? É alguém que põe sua força a serviço do direito, e dos direitos, e que, decretando nele a igualdade de todo homem com todo outro, apesar das desigualdades de fato ou de talentos, que são inúmeras, instaura uma ordem que não existe, mas sem a qual nenhuma ordem jamais poderia nos satisfazer. O mundo resiste, e o homem. Portanto, é preciso resistir a eles – e resistir antes de tudo à injustiça que cada um traz em si mesmo, que é si mesmo. É por isso que o combate pela justiça não terá fim. Esse Reino, pelos menos, nos é proibido, ou antes já estamos nele só quando nos esforçamos para alcançá-lo. Felizes os famintos de justiça, que nunca serão saciados!

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